sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Poesias para refletir...



Fernando Pessoa




É um campo verde e vasto
 

É um campo verde e vasto,
        Sozinho sem saber, 
De vagos gados pasto,
         Sem águas a correr.

Só campo, só sossego,
        Só solidão calada.
Olho-o, e nada nego
        E não afirmo nada.


Aqui em mim me exalço
        No meu fiel torpor.
O bem é pouco e falso,
        O mal é erro e dor.


Agir é não ter casa,
        Pensar é nada Ter.
Aqui nem luzes (?) ou asa
         Nem razão para a haver.


E um vago sono desce
        Só por não ter razão,
E o mundo alheio esquece
         À vista e ao coração.


Torpor que alastra e excede
        O campo e o gado e os ver.
A alma nada pede
         E o corpo nada quer.


Feliz sabor de nada,
         Inconsciência do mundo,
Aqui sem porto ou estrada,
         Nem horizonte no fundo. 






Fernando Pessoa




Deixo ao cego e ao surdo
 

Deixo ao cego e ao surdo
A alma com fronteiras, 
Que eu quero sentir tudo
De todas as maneiras. 

Do alto de ter consciência
Contemplo a terra e o céu, 
Olho-os com inocência :
Nada que vejo é meu. 


Mas vejo tão atento
Tão neles me disperso
Que cada pensamento
Me torna já diverso.


E como são estilhaços
Do ser, as coisas dispersas
Quebro a alma em pedaços
E em pessoas diversas.


E se a própria alma vejo
Com outro olhar,
Pergunto se há ensejo
De por isto a julgar.


Ah. tanto como a terra
E o mar e o vasto céu,
Quem se crê próprio erra,
Sou vário e não sou meu.


Se as coisas são estilhaços
Do saber do universo,
Seja eu os meus pedaços,
Impreciso e diverso.


Se quanto sinto é alheio
E de mim sou ausente,
Como é que a alma veio
A acabar-se em ente ?


Assim eu me acomodo
Com o que Deus criou,
Deus tem diverso modo
Diversos modos sou.


Assim a Deus imito,
Que quando fez o que é
Tirou-lhe o infinito
E a unidade até.







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